Um dos favoritos para levar o Oscar de Melhor Ator é Brendan Fraser. Em A Baleia, ele interpreta Charlie, um professor de literatura com 270 kg que não consegue se mover sozinho e se esconde numa casa pequena, um tanto escura e numa cidade em que a chuva é recorrente. Os problemas emocionais não tratados são evidentes, assim como o medo de ser visto por outras pessoas.
Dirigido por Darren Aronofsky (diretor de Cisne Negro e Mãe) e com estreia marcada para 23 de fevereiro, o longa recebeu quase 10 minutos de aplausos no Festival de Veneza de 2022. A narrativa, ao contrário dos personagens, não é complexa: o protagonista precisa confrontar as escolhas do passado, que envolvem uma filha adolescente (Sadie Sink) e sua ex-mulher (Samantha Morton), ao descobrir que não tem muito tempo de vida.
O roteiro é escrito por Samuel D. Hunter e baseado em sua peça homônima. “O que eu gosto sobre o filme é como ele nos convida a ver a humanidade dos personagens, que não são totalmente bons ou maus, eles têm nuances como qualquer pessoa e vivem vidas muito ricas”, diz Aronofsky, em nota.
Fraser, por sua vez, conta que teve uma entrega total ao personagem, como nunca fizera antes, para mostrar toda a força e vulnerabilidade de Charlie. “Ele tem uma melancolia que o paralisa que vem do fato de nunca poder ter sido a pessoa que queria ser. Ele carrega muitos sentimentos de culpa”, explica o ator.
O título pode gerar a impressão errada ao dar a entender que é um nome pejorativo que se refere a Charlie. No entanto, essa é uma alusão ao clássico Moby Dick – apaixonado por textos analíticos, o professor é apegado a um trabalho escolar sobre o livro e, ao sentir qualquer crise de saúde, relê essas linhas a fim de se acalmar.
Para além do debate moral, a produção propõe reflexões sobre obesidade severa, saúde mental, gordofobia e compulsão alimentar – temas importantes que atravessam a vida de milhões de pessoas ao redor do mundo.
Quando o peso vira doença
Ao falarmos sobre perda de peso, a primeira motivação que nos vem à mente é a estética. Mas, para os médicos, a real importância dessa preocupação deve ser a saúde. A medida corporal considerada ideal pelos especialistas é calculada a partir do IMC (índice de massa corporal) e o resultado se encaixa em diferentes categorias.
“De 18 a 25 é o que chamamos de normal. Quando ele vai de 25 a 30, consideramos sobrepeso. A partir de 30, se configura obesidade”, explica Paulo Rosenbaum, endocrinologista do Hospital Albert Einstein. “De 30 até 35 é o grau 1, de 35 a 40 se estabelece o grau 2 e de 40 para cima dizemos que é grau 3 ou obesidade severa.”
No Brasil, a proporção de pessoas obesas com 20 anos mais cresceu entre 2003 e 2019, passando de 12,2% para 26,8%. Nesse período, a obesidade feminina subiu de 14,5% para 30,2%, enquanto a obesidade masculina passou de 9,6% para 22,8%.
Esta é considerada pela OMS (Organização Mundial da Saúde) uma doença crônica. Ou seja, um problema que exige cuidados constantes e acompanhamento médico. Isso porque pode prejudicar o corpo todo, além de aumentar riscos de diversas doenças, como hipertensão, diabetes, inflamação nas articulações, falta de ar, depressão e ansiedade – são as chamadas comorbidades.
E a ciência comprova: um estudo publicado na revista Obesity Science and Practice analisou dados de quase 3 milhões de adultos do Reino Unido por 11 anos. E as pessoas com obesidade grau I demonstraram um risco cinco vezes maior de desenvolver diabetes tipo 2, em comparação a pessoas com peso saudável. Já para quem tem obesidade grau III, o risco foi 12 vezes maior. O excesso de gordura corporal também foi associado a uma probabilidade maior de ter doenças cardíacas, certos tipos de câncer e transtornos psiquiátricos.
Outra pesquisa, publicada em 2019 na revista científica Preventing Chronic Disease, estimou que aproximadamente 168 mil mortes por ano no Brasil são atribuíveis ao excesso de peso. O estudo, conduzido por pesquisadores da Unifesp, afirma que número representa cerca de 25% das mortes pelas principais doenças crônicas (doenças cardiovasculares, respiratórias e câncer) e 15% de todas as mortes ocorridas.
É preciso ressaltar que, quando falamos de perda de peso, isso não quer dizer que a pessoa precisa ser magra. Às vezes, de 5 a 10% de redução já faz com que aquela pessoa tenha mais qualidade de vida.
“É claro que pessoas obesas que fazem atividade física e cuidam da alimentação podem apresentar menos doenças do que pessoas magras e sedentárias. Mas é preciso ter cuidado e sempre fazer exames de rotina”, diz Paulo. “É preciso ressaltar que, quando falamos de perda de peso, isso não quer dizer que a pessoa precisa ser magra. Às vezes, de 5 a 10% de redução já faz com que aquela pessoa tenha mais qualidade de vida.”
Segundo o profissional, há mais de 50 causas para a doença, há fatores genéticos e ambientais. “No filme, o gatilho é um luto, o que é muito comum. Quando alguém próximo falece e isso não é processado, pode gerar uma depressão que deixa a pessoa mais vulnerável”, afirma. “O sedentarismo, a gravidez e até o estresse também podem aumentar o ganho de peso.”
O tratamento, por sua vez, é multiprofissional. O cenário ideal envolve consultas com nutricionistas, psicólogos e endocrinologistas. Além disso, a mudança de estilo de vida é essencial para resultados positivos. Exercícios aeróbicos e musculação são altamente recomendados. Os medicamentos são recomendados apenas quando esse primeiro estágio não traz algum efeito.
“Quando a pessoa chega no estágio três da doença, como no filme, não consegue perder peso naturalmente. Somente a bariátrica poderia dar uma melhor condição de vida a ela. Mas é curioso que nos Estados Unidos, assim como no Brasil, esses pacientes não chegam a fazer esse tipo de cirurgia. No SUS, há uma fila enorme e a realidade para conseguir uma equipe com médicos de diferentes especialidades é muito difícil”, lamenta o profissional.
Ciclo vicioso gerado pela gordofobia
Ao longo de A Baleia, é possível ver que Charlie não recebe visitas e nem mostra o rosto durante as aulas que ministra. O medo da reação negativa de pessoas à sua volta é uma bomba relógio que causa gatilhos à saúde mental.
“Preconceito contra obesidade é uma das maneiras de uma pessoa menosprezar a outra. Muitas vezes, as pessoas do tamanho de Charlie são invisíveis, vistas apenas por suas famílias e cuidadores. É uma forma de silenciamento. Conversando com elas, percebi que, como qualquer um, elas querem ter suas histórias contadas, e serem tratadas de maneira justa e honesta”, conclui Fraser.
Os constrangimentos têm relação direta com o estigma social da aparência. De acordo com o levantamento Obesidade e Gordofobia — Percepções de 2022, feito pela Sociedade Brasileira de Metabologia e Endocrinologia (SBEM), 85,3% das pessoas consideradas obesas no Brasil já passaram por situações de gordofobia. Foram entrevistados 3.621 brasileiros de 18 e 82 anos, de ambos os sexos.
Nos ambientes médicos, ao buscar alternativas para perda de peso, 61,5% dos pacientes tratados no serviço público alegaram uma sensação de desconforto e falta de acolhimento, ao passo que esse mesmo dado chegou a 44% no serviço privado. Além disso, esse preconceito também se faz presente no trabalho, na rua e até nas relações pessoais.
“Isso afeta o psicológico de quem passa por isso e é prejudicial, podendo causar um isolamento social que pode acabar em depressão”, diz Paulo. “Esse alerta também vai para profissionais de saúde porque quando eles dão algum tipo de bronca no paciente, dão a entender que a perda de peso depende da força de vontade – e não é bem assim. O acolhimento é essencial.”