luz batia sobre a pele retinta de uma mulher preta aparentemente desconhecida, ressaltando os traços de seu rosto e dos músculos protuberantes do braço. Diante dessa imagem, a poeta e advogada Luciene Nascimento, 27 anos, enxergou uma beleza arrebatadora, que transpassava o papel da fotografia. “Naquele momento, a minha percepção do belo estava a um passo de acontecer dentro de mim. Precisei do retrato dessa mulher, que se parecia comigo, para conseguir me olhar com mais carinho”, diz Luciene sobre a cena que a inspirou a escrever o poema Tudo Nela É de Se Amar, título homônimo do seu primeiro livro, lançado em abril, com prefácio de um dos seus fãs, o ator e diretor Lázaro Ramos.
A publicação é resultado de um processo de escrita despretensioso e solitário da fluminense de Quatis sobre a sua compreensão de ser ou não bela dentro de uma sociedade racista. “Comecei a escrever sem saber o que estava fazendo, só queria colocar no mundo o que sentia. Demorei para me entender como poeta, já que não me parecia com os que eu conhecia”, conta a autora, que viu seus textos viralizarem em vídeos nas redes sociais a partir de 2016.
Ainda que a etnia seja uma ponte, a conexão entre ela e leitores, em sua maioria mulheres, se deu pela alma. “A poesia é a fotografia da alma e mora dentro da gente, por isso as pessoas se conectam tanto com o outro. Escrevo pausadamente, com ritmo e rima, porque o que acontecia dentro de mim pulsava em harmonia. Os textos saíram longos, assim como os processos que enfrentei”, pontua Luciene, que apelidou seu didatismo na escrita de “pedagopoesia”. A entrega abriu espaço para retornos confortáveis e íntimos do público. “Mulheres negras me contam suas histórias e relatam como se viram em mim. Há processos individuais, mas que não são isolados, o que muda é a forma e a intensidade”, considera ela, que aprendeu dentro de casa sobre a pluralidade e o jogo de cintura exigido das mulheres pretas. “A vida me levou de maneira orgânica ao direito, à maquiagem e à poesia. Entrei na faculdade e minha carreira como advogada deu certo, mas a vivência com as mulheres da minha família, que são cabeleireiras, manicures e maquiadoras, sempre fizeram a beleza pulsar dentro em mim”, reflete Luciene sobre a paixão pela maquiagem e estética negra.