ente-se à mesa, desligue-se das ondas de sensações que se sobrepõem entre as telas e a vida real. Tente notar com sua língua, suas papilas gustativas, quão fresca é a comida que sua boca vai saborear durante a próxima refeição. Será que esses alimentos foram congelados? Houve algum tipo de cura, salga, fermentação? Adicionaram conservantes? Como estavam seus aromas, suas texturas, sua umidade?
Aberto em São Paulo desde junho, o Naia convida os fãs da gastronomia a refletir sobre qual é o verdadeiro sabor das coisas. De um aquário enorme instalado no restaurante, o chef Tuca Mezzomo e sua equipe servem conchas, crustáceos e outros frutos do mar vivos, fornecidos por pescadores dos litorais paulista e do Sul do Brasil. As ostras vêm de Cananéia e de Florianópolis; os ouriços, do Guarujá; e as vieiras chegam do litoral norte. Todos têm em comum o fato de que seus ápices de sabor estão intimamente ligados ao frescor.
Para quem queria abrir um bar de ostras aos moldes europeus, Mezzomo – o chef é sócio do estrelado Charco –, se viu às voltas com as dificuldades de servir frutos do mar frescos, mesmo que a distância entre São Paulo e algumas cidades litorâneas não chegue a 100 quilômetros. Gaúcho que estudou gastronomia no litoral catarinense, Tuca lembra seus tempos trabalhando com o premiado Rui Paula em seu restaurante no Porto: “A cidade tem um mar gelado, por isso é muito rica em frutos do mar. Lá o interesse aflorou. A gente tinha menu degustação, então conversávamos com os peixeiros: ‘são trinta reservas, portanto 30 ouriços, 30 lagostins, 30 vieiras.’ Era tudo muito pontual, saía do mar muito fresco. Você fica muito encantado com isso. Ter um produto vivo é muito diferente, servir uma ostra ou uma vieira vivas é muito diferente, é muito lúdico.”
“Temos que explorar nossos litorais, usar o que eles têm para oferecer. Só conhecemos ostras de Santa Catarina, mexilhões, camarões. É muito limitado. Fiquei nesse questionamento, conversando com pescadores e fornecedores, para descobrir que mais temos no litoral brasileiro. Quais variedades de caranguejo, siri, lagosta, vieira?”
Tuca Mezzomo
O desejo de trabalhar com frutos do mar já caminhava com Tuca desde quando ele estagiava nos restaurantes de Balneário Camboriú e terminava a noite junto de outros colegas na vila dos pescadores locais, esperando que eles retornassem do mar nas últimas horas da madrugada com o espólio da pesca noturna: camarões, lagostas e outros ingredientes preparados em caldeiradas, mexilhões e mariscos abertos com uma faca e chupados sem cerimônia por línguas famintas e meio bêbadas. Demorou para que o ciclo se completasse, até que o chef se decidiu: “Temos que explorar nossos litorais, usar o que eles têm para oferecer. Só conhecemos ostras de Santa Catarina, mexilhões, camarões. É muito limitado. Fiquei nesse questionamento, conversando com pescadores e fornecedores, para descobrir que mais temos no litoral brasileiro. Quais variedades de caranguejo, siri, lagosta, vieira? Comecei a encontrar muita coisa legal, e esse foi o pilar do Naia.”
Embora as estrelas do restaurante sejam os frutos do mar frescos, o Naia também serve algumas opções de pratos quentes. A couve-flor vem acompanhada de bottarga e um molho roti de algas marinhas; a endívia é regada por um creme de vôngoles, e o peixe do dia é levado à mesa depois de assado inteiro. A regra é a mesma dos pratos frios, foco no sabor natural dos ingredientes: “Se eu faço muita interferência ou cocção, molhos e sabores que vão esconder a qualidade dos produtos, minha qualidade vai ser perdida. Não quero que o conceito esteja na frente da comida, e sim que a pessoa coma e diga se faz sentido. Se o polvo ou a lula vão na brasa, são bem simples; o peixe, servimos inteiro. É interferir o mínimo possível para mostrar o produto.”