Do alto de meus quase 30, me considero uma não-monogâmica cansada. Já vivi alguns relacionamentos abertos, embora seja difícil rotular experiências tão diferentes entre si. Em quase todos os casos, fui eu quem botou as cartas na mesa para questionar a monogamia, enquanto os homens cis com quem me relacionei mal sonhavam com a possibilidade. Depois de inúmeras conversas na cama e na mesa de bar, com direito a citações da filósofa italiana Silvia Federici (autora do livro O calibã e a bruxa, que escancara o quanto a monogamia serviu para aprisionar e domesticar mulheres ao longos dos séculos) e várias crises de ciúme por conta da minha sexualidade biblicamente entendida como lasciva e exagerada, me sinto exausta.
De repente, minha vida parecia ter virado um grande pagode do Só Pra Contrariar (“o que é que eu vou fazer com essa tal liberdade…”). E não só porque os caras não entendiam meu desejo por outras pessoas, mas também porque reconheci ideais do amor romântico tatuados na minha psique, como se o outro pudesse representar o fim da minha solidão. Muito filme da Disney nos anos 90 deu nisso. Mas sigo questionando e acreditando na não-monogamia, um conceito que funciona como um guarda-chuva e que abriga uma série de formatos possíveis para além do tradicional “feitos um para o outro”.
A ideia de exclusividade sexual é antiga e surgiu há cerca de cinco mil anos, como explica a psicanalista e escritora Regina Navarro Lins em seu livro Novas formas de amar (Editora Planeta, 2017): “O homem ficou obcecado pela certeza de paternidade porque não admitia correr o risco de deixar a herança para o filho de outro. A mulher só ter relações sexuais com ele era fundamental. A partir de então, a esposa passou a ser sempre suspeita, uma adversária que requer vigilância absoluta”, escreve ela.
“O homem ficou obcecado pela certeza de paternidade porque não admitia correr o risco de deixar a herança para o filho de outro. A mulher só ter relações sexuais com ele era fundamental. A partir de então, a esposa passou a ser sempre suspeita, uma adversária que requer vigilância absoluta”
Regina Navarro Lins
A monogamia ainda é vista como regra e não como escolha dentro das relações e o que sustenta esse modelo é o ideal do amor romântico. “Não tenho nada contra pessoas monogâmicas nem contra monogamia, alguém pode ficar casado 50 anos e só fazer sexo com aquela pessoa. A questão é que, para isso, a monogamia tem que ser espontânea, o que é raríssimo. Geralmente, as pessoas se sentem obrigadas a ser monogâmicas e, quando não são, têm muita culpa”, diz Regina, em entrevista, acrescentando que essa mentalidade vem mudando: “Há trabalhos feitos na Europa que mostram que as mulheres não sentem mais culpa alguma por ter relações não-monogâmicas, por ter relações extraconjugais”.
Os mecanismos políticos, sociais e religiosos que incentivam a prática da monogamia (como, por exemplo, o matrimônio) podem estar associados aos nossos desejos mais primitivos, considerando uma visão psicanalítica: “A criança pequena depende emocionalmente e fisicamente da mãe, porque se a mãe desaparecer, ela morre. Na nossa cultura, não somos incentivados a desenvolver essa capacidade de ficarmos bem sozinhos. Somos incentivados a encontrar a alma gêmea, a pessoa certa, a metade da laranja. A questão é que quando as pessoas entram numa relação amorosa, reeditam aquelas necessidades infantis, então, se tornam controladoras, possessivas, ciumentas”, explica Regina.
“Não tenho nada contra pessoas monogâmicas nem contra monogamia, alguém pode ficar casado 50 anos e só fazer sexo com aquela pessoa. A questão é que, para isso, a monogamia tem que ser espontânea, o que é raríssimo. Geralmente, as pessoas se sentem obrigadas a ser monogâmicas”
Regina Navarro Lins